Nesta terça feira, dia 8, fui ao Castelão incumbido da missão de tentar capturar o clima do setor visitante da Arena em Fortaleza x Libertad.
Cheguei cedo ao estádio, por volta das 17h, e logo me senti como um estranho no ninho. Após ser reconhecido e saudado por Matheus “Bocão”, amigo tricolor, adentrei a arena e caminhei bastante até chegar no portão R, destinado à torcida adversária. Se para adquirir o ingresso não recebi maiores questionamentos (apesar da inexistência calamitosa da meia entrada para visitante), precisei explicar algumas vezes para pessoas da segurança do Castelão que não estava ali para criar confusão. Uma vez dentro do estádio, fui acometido por um leve pânico ao perceber que era o único presente no setor até aquele momento. Eram 17:20 e eu temia pela minha pauta.
Entendi depois que não seria estranho ver o setor visitante completamente vazio: Apesar de ser um dos maiores clubes do Paraguai e o maior campeão do país no século, o Libertad está atrás de Olimpia, Cerro Porteño e Guaraní em número de torcedores.
Time do coração de Nicolas Leoz (Presidente histórico da Conmebol), o Libertad tem muita tradição, porém não carrega o gigantismo de um Boca Juniors ou de um Peñarol, por exemplo.
Considerando o cenário pouco alvissareiro da derrota em casa na partida de ida e o alto custo de uma viagem internacional, a possibilidade de acabar assistindo a partida sozinho era extremamente real.
Meu medo foi logo sanado pela chegada do primeiro torcedor. Pablo, um homem alto e negro de 24 anos, é natural da cidade de Encarnación, porém trabalha e mora em Assunção.
Dos jogadores do Libertad, adora ‘Tacuara’ Cardozo e Martín Silva, porém não gosta de Roque Santa Cruz (anteriormente muito identificado com o Olimpia). Esteve em Belo Horizonte para assistir a Atlético Mineiro x Libertad e agora decidira conhecer a região nordeste do Brasil.
Elogiou a torcida do Fortaleza, que o ajudou a chegar até o setor visitante após se perder no estacionamento do estádio. Não quis gravar comigo (a ideia original era fazer um vídeo com os hinchas) pois mentira para seu chefe para viajar durante a semana. Após o pedido, ficou ressabiado comigo e não quis mais conversar. Pena.
Minutos depois, chegava o segundo torcedor do Gumarelo: Gabriel, 19 anos, entrou na arquibancada ofegante pois deu a volta completa na esplanada do Castelão correndo. Gabriel foi extremamente solícito comigo e compensou a falta de outros torcedores do Libertad com muita história e simpatia: Nascido em Fortaleza, fala um português excepcional (ainda que carregado de sotaque que não nega suas origens) e viajou de volta para a terra da luz para apoiar o seu time do coração.
Durante nosso extenso bate papo (que durou até o começo da partida), Gabriel respondeu a todas as perguntas que tinha preparado: Criticou a xenofobia de uma parcela da população brasileira, que zomba do Paraguai como se isso não fosse uma forma de preconceito. Comentou que não liga muito para rivais, mas enxerga Olimpia e Guarani como os principais adversários do Libertad no futebol local.
Citou Corinthians e Palmeiras como os maiores clubes do Brasil, complementando “Não gosto do Flamengo”.
Lembrou que já tinha ido a jogos no Castelão em outras duas oportunidades (uma partida do Fortaleza e outra do Ceará), porém não nutria animosidade com as equipes daqui para além daquela partida.
Papo vai, papo vem, mais pessoas chegaram e o jogo começou com cerca de 12 pagantes presentes no setor destinado a torcida visitante. Destes, somente 3 eram paraguaios, Todos tiraram fotos do mosaico tricolor, e eu não fiz diferente.
Foto: Tércio Brilhante
Assisti ao primeiro tempo ao lado de Gabriel, que reagia efusivamente a cada bola disputada e vibrava com o ótimo começo de jogo do Libertad de Daniel Garnero, que não se intimidou com o Castelão lotado e partiu para cima buscando a vitória desde o princípio. Eis que o Libertad marca, para brevíssimo êxtase de meu amigo, pois Barboza estava em posição irregular.
O Fortaleza até cria algumas chances perigosas em contra-ataques, como na escapada insinuante de Machuca desperdiçada por Thiago Galhardo, mas é o El Gumarelo que manda na partida durante quase toda a primeira etapa, o que causa sofrimento na torcedora do Fortaleza sentada algumas cadeiras atrás de mim.
Sim, você não leu errado. Uma tricolor assistiu ao jogo do setor visitante. Não perguntei seu nome, mas justificou a peripécia pela lotação do setor sul, seu preferido. Para não gastar mais, foi uma infiltrada dentro da própria casa. Curioso.
Aos 30 minutos, novo gol do Libertad. E dessa vez valeu! Matias Espinoza chutou forte e abriu o placar no Castelão. Gabriel pulou, socou o ar, gritou, fez sinal de choro pra torcida do Fortaleza localizada na superior norte, enfim, fez tudo que lhe era de direito naquele momento. Um casal alvinegro que foi ao jogo com o único intuito de secar o leão gritou, em uníssno: “Se lasca, Fortaleza!”.
No mais, reações comedidas. Encerrado o primeiro tempo, lá fui eu conversar mais um pouco:
Martina é uma mulher de 24 anos, não fala português fluente mas compreende bem. Paraguaia nascida e criada em Assunção, trabalha há 2 meses em Fortaleza e justificou sua presença na partida por patriotismo e curiosidade para conhecer o estádio. A exemplo de Pablo, Martina foi simpatia pura até descobrir que sou imprensa. A partir daí, se negou a conversar mais, claramente constrangida de algo que acabei descobrindo no começo do segundo tempo: Martina estava transmitindo a partida ao vivo no Instagram!
Falei com dois homens, um torcedor do Ceará que foi ao jogo para acompanhar um colega turista e o amigo em questão, Argentino de Lanús, apostou no Libertad e foi acompanhar a peleja in loco.
Por fim, uma família natural de Catanduva (interior de São Paulo) me explicou que foram ao estádio com a intenção de conhecer a festa da torcida do Fortaleza, porém compraram o ingresso para a arquibancada visitante pois “Somos visitantes, né. Não somos daqui”. Findada a exploração, sentei novamente ao lado de Gabriel e anotei essas observações no bloco de notas do meu celular. Após alguns minutos em silêncio, reflexivo, o paraguaio me confidenciou, melancólico: “O Fortaleza vai empatar.” Surpreso, retruquei “Por quê?” “Conheço meu time. Dá pra sentir.” Antes do início do segundo tempo, é necessário registrar a fúria de um torcedor específico do Fortaleza que passou o intervalo berrando insultos do tipo “Paraguaios mortos de fome!” em direção ao nosso setor.
Após alguns minutos, foi repreendido por torcedores do próprio Fortaleza, não sem antes ficar confuso pelas respostas que recebeu: A tricolor infiltrada de visitante fez o L em sua direção, enquanto Gabriel provocou de volta com a letra C. Não me interessa relatar todo o ocorrido na segunda etapa, e imagino que isso pouco importe ao torcedor do leão também.
Futebol é um esporte divertido pelos 90 minutos, mas apaixonante pelos efêmeros momentos em que o tempo parece parar por alguns instantes diante da magia que só noites de copas podem proporcionar.
Aos 45 do segundo tempo, Marinho cobrou falta com perfeição e instigou um verdadeiro carnaval tricolor por todo estádio. Gabriel, que alertara segundos antes da cobrança “Se fizer, o Castelão vem abaixo”, chutava o chão, inconsolável.
O casal de secadores já tinham ido embora, temendo a tradicional demora para sair do visitante, que não aconteceu na noite de ontem. O Libertad foi valente, insistiu até os últimos segundos de jogo, conseguiu levar perigo para o gol de João Ricardo pelo menos 3 vezes antes do apito final.
Porém, a valentia banhada em desespero resultou em mais uma falta feia na entrada da grande área, mais uma expulsão albinegra e mais uma chance para Marinho cravar, dessa vez desperdiçada.
Já não fazia mais diferença. O Fortaleza estava classificado para as quartas de final de um torneio internacional pela primeira vez em sua centenária história.
Meu amigo paraguaio me cumprimentou uma última vez e me forneceu seu contato. O assegurei de que enviaria o texto final tão logo este ficasse pronto. Inevitavelmente cruzei com o casal tricolor “infiltrado”, que por alguma razão achou que eu também torcia para o laion. Se enganaram feio, mas não corrigi.
Depois de algum sufoco costumeiro no posto de gasolina (Sem 4G e com a bateria do celular nas últimas, fui salvo por um seguidor tricolor que me reconheceu e roteou Wi-Fi para mim. Deixei o Plácido Aderaldo Castelo na certeza de que as boas histórias estão presentes em cada pedaço daquele estádio.